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As escolas de inglês acabaram?


Eu estava tomando um café com uma amiga e ela, sabendo que trabalho com o mercado de ensino de inglês, me fez exatamente essa pergunta. Precisei pensar um pouco na resposta.

A mudança do mercado de idiomas

O mercado de ensino de idiomas está passando por uma transformação no Brasil. Cada vez mais escolas regulares estão se transformando em bilíngues, oferecendo programas de imersão e aulas de inglês desde as séries iniciais do ensino fundamental, muito antes do que é obrigatório em função da legislação. Consequentemente, as famílias estão cada vez menos propensas a enviarem suas crianças para um curso só para aprender inglês


É claro que é um movimento que ainda é bem desordenado (mesmo os players que parecem ser melhor estabelecidos mal e mal têm dez anos de existência como provedores de educação bilíngue. Podiam já existir como escola de idiomas, mas isso é uma outra coisa), mas é inegável que é irreversível.


Cursos de inglês (ou de outros idiomas, vide a Aliança Francesa, que desfez-se até de sua histórica sede, no Centro de São Paulo) que costumavam ter 2 ou 3 mil estudantes em uma única filial têm precisado repensar seus modelos de negócio com bastante agilidade.


Além disso, o perfil dos alunos de escolas tradicionais de idiomas mudou. Agora, a maioria dos estudantes são jovens profissionais que buscam aprimorar o inglês visando melhorar suas chances no mercado de trabalho globalizado ou estudar no exterior.


Isso significa que o mercado acabou?


Não, definitivamente não. Isso significa que o mercado mudou. Essas mudanças trazem oportunidades para as escolas desenvolverem novos produtos especializados para esse novo público adulto. Por exemplo, podem oferecer cursos de inglês focados em contextos corporativos, com ênfase em vocabulário e conversação para ambiente de negócios. Outra opção são programas de preparação para exames de proficiência como TOEFL, IELTS e LinguaSkill. A maioria já oferece esse tipo de experiência de aprendizagem, mas historicamente são instituições que sempre tiveram em crianças e adolescentes seu blue ocean.


Diferentemente dos alunos adultos, que têm uma vida profissional, urgência (e maior autonomia de decisão) de aprender e baixa fidelidade à instituição, a faixa dos pequenos costumava ter altíssima retenção (frequentemente acima de 95%) e altíssima fidelidade de marca. Se o seu primo estudou no curso X, você provavelmente vai pra lá também.


Investimento em EdTech


É impossível abrir meu feed do Instagram e não encontrar um novo método milagroso para aprender inglês, geralmente um mais maluco que outro (aprenda inglês agora mesmo fo mesmo jeito que fizeram os maiores poliglotas da história! destrave o seu inglês!), mas prefiro ignorar esses provedores. Não consigo sequer chamá-los de escolas. Sem querer ofender ninguém, só respeito algum método de qualquer coisa que seja lastreado em pesquisa acadêmica.

Aprender um novo idioma já na fase adulta pode ser muito desafiador devido a inúmeros fatores, desde a plasticidade cerebral reduzida em comparação à infância até a falta de tempo. Porém, a inteligência artificial está tem o potencial de revolucionar (e já está revolucionando, em vários casos) o aprendizado e aquisição de um segunda língua. Ferramentas baseadas em chatbots possibilitam que adultos pratiquem conversação em inglês com uma IA que simula diálogos que são bem similares ao que a gente teria na vida real e usuário recebe feedback instantâneo sobre pronúncia e construção de frases.


Outro recurso interessante é o reconhecimento de fala para correção fonética em tempo real durante a conversação. Essas tecnologias aceleram muito o processo de aquisição de pronúncia correta. Aplicativos adaptativos também analisam respostas do aluno e criam planos personalizados, focando nas áreas mais deficientes. Isso permite que cada adulto aprenda no seu ritmo com suporte de IA.


Enfim, são inúmeras ferramentas diferentes (e, honestamente, 10 minutos de Google com "ferramenta de inteligência artificial para pronúncia" vai ajudar mais do que qualquer texto que eu possa escrever aqui. O ponto principal é que essas ferramentas podem ajudar a catalizar o trabalho do professor, reduzir custos para as instituições e, ainda assim, oferecer uma experiência de aprendizagem de inglês (ou francês, hebraico, alemão...) infinitamente mais personalizada e significativa para os alunos.


O investimento em EdTech não é um luxo. É uma estratégia absolutamente essencial para que o ensino de idiomas como um modelo de negócios permaneça relevante. As pessoas não pararam de tirar fotos (pelo contrário, fazem isso mais do que nunca), mas a impressão de delas deixou de ser relevante e a Kodak praticamente faliu.

Ferramentas disponíveis

As escolas de idiomas podem começar a adotar soluções de IA, com recursos já disponíveis no mercado, sem grandes investimentos. Estava em um curso no último sábado e mencionei que as melhores ferramentas são as que costumam ser 'telas em branco' e funcionam sempre como um meio e não como um fim. Por exemplo, existem criadores automáticos de exercícios, como o Quizlet. O professor define os conceitos a serem praticados e a ferramenta gera atividades como preenchimento de lacunas.

Para redação e gramática, corretores ortográficos e sintáticos avançados como o Grammarly identificam erros e fazem sugestões de correção de forma automatizada.

Outra opção útil são chatbots para tirar dúvidas dos alunos sobre funcionamento do curso e conteúdos. Eles respondem perguntas simples de forma automatizada.

Essas tecnologias poupam o tempo dos professores em atividades repetitivas e permitem maior foco no desenvolvimento comunicativo. O professor do aluno adulto passa a ter mais tempo para fazer o que máquinas não fazem: conversar olho no olho, dar apoio e suporte socioemocional.


Preparando para o futuro

À medida que os LLMs (large language models) se tornem acessíveis, o ensino de idiomas pode ser ainda mais transformado e otimizado. Para isso, as escolas devem começar a investir em modelos de IA específicos para contexto educacional, com dados relevantes para aprendizado de línguas.


Além disso, é essencial que gestores e educadores recebam treinamentos sobre como integrar essas novas tecnologias em sala de aula e em projetos educacionais. É necessária uma mudança de mentalidade para encarar a IA como uma aliada.


Também é vital estabelecer diretrizes éticas para uso responsável dessas ferramentas, com supervisão humana e sem infringir a privacidade dos alunos. Se bem preparadas, as escolas têm a chance de aprimorar exponencialmente a qualidade e eficiência do ensino de idiomas com a IA. Mas o foco continuará sendo desenvolver o pensamento crítico e habilidades comunicativas dos alunos, com as ferramentas otimizando o aprendizado humano.

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