Este ano fui convidada para participar de uma mesa redonda durante a conferência Troika Experience.
Me deram 10 minutos para me apresentar e responder à pergunta: A Educação está preparada para a Diversidade e Inclusão?
Enquanto considerava todas as formas possíveis de fazer isso, perguntas começaram a surgir em minha mente. Perguntas para fazer a mim mesma e a cada um dos que assistiam à mesa.
Conforme meu corpo mergulhava nesse mar de perguntas, decidi anotá-las e acabei criando este tipo de manifesto.
Aqui está (para um melhor efeito, leia em voz alta).
Meu nome é Cintia Rodrigues, tenho 40 anos e sou Coordenadora Pedagógica Bilíngue, Professora de Inglês e Consultora de Educação Internacional para as Escolas Lumiar.
Estou mencionando o nome da escola onde trabalho porque este é um exemplo perfeito de um lugar onde posso ser, posso falar sobre meu ser, sou questionada sobre quem sou. Posso existir do jeito que sou. Além disso, tenho liberdade para guiar meus alunos a entenderem e celebrarem quem eles verdadeiramente são.
Por muitos anos, fui principalmente professora de idiomas. Todos os meus estudos e interesses estavam relacionados a técnicas de ensino, especialmente fonética e fonologia. Línguas eram meu maior foco.
Há cerca de 10 anos, meu foco mudou e comecei a estudar e falar sobre questões de inclusão. Encontrei espaço para dar meus primeiros passos nesses assuntos dentro das conferências Braz-Tesol e especialmente através do Voices SIG, mas as vozes sobre as quais eu realmente queria falar sempre fizeram parte de quem eu sou: uma pessoa com deficiência auditiva, não-binária e, talvez, autista.
Agora vamos falar sobre o motivo pelo qual estamos aqui: A educação está preparada para a diversidade e inclusão?
Vou responder esta pergunta com mais perguntas para cada um de vocês aqui hoje, porque a educação começa de vocês, os que escolheram ser educadores.
Você está preparado para ver corpos diferentes? (Por diferentes, quero dizer corpos sem braços/pernas, vozes que soam diferentes porque o falante não pode ouvi-la, ou não tem a mesma flexibilidade muscular que você)
Você está preparado para deixar seus preconceitos de lado para realmente entender os interesses, habilidades e necessidades de seus alunos? (Ou continuará infantilizando pessoas com deficiência, bem como tirando seu direito ao amor, sexo e encontros sociais?)
Você é empático o suficiente para esperar que seus alunos encontrem a resposta em seu próprio ritmo?
Você é aberto o suficiente para reconhecer que seu aluno pode precisar de estratégias diferentes de você e daqueles que são considerados "normais"?
Você está preparado para olhar nos olhos da diversidade e aprender em vez de temê-la?
Você está preparado para ver um pré-adolescente vestido como alguém do gênero oposto (há tantos problemas nesta frase) e não se importar ou se sentir desconfortável/com medo do que pode surgir?
Você está preparado para acolher e criar um espaço seguro/acessível para cada pessoa que entra em sua sala de aula?
Vou responder esta pergunta para a maioria de vocês → Vocês não estão!
Você sabe por que não está preparado para isso?
Vou focar em pessoas com deficiência aqui, mas também posso mostrar números e leis relacionados a outras questões de diversidade.
Com que frequência você vê pessoas com deficiências de aprendizagem nas ruas, no shopping, em restaurantes, se divertindo ou trabalhando? (Se você não as vê, não está pronto para verdadeiramente incluir)
Quão acessível é seu local de trabalho? (se você ensina online, quão acessíveis são seus slides/material/linguagem?)
Quantos amigos com deficiência você tem? Quantos artistas com deficiência você conhece? Você já esteve em um espaço onde pessoas com deficiência eram as protagonistas, onde suas vozes estavam lá para serem ouvidas e não para serem faladas? Quantas pessoas com deficiência você segue nas redes sociais? Quantos livros você leu, digo literatura, onde o personagem principal era uma pessoa com deficiência (assim como o escritor do livro)?
Quanto você sabe ou pelo menos tentou entender sobre línguas de sinais ao redor do mundo?
Fatores interessantes que justificam seus 'nãos' ou 'zeros' acima:
Por muitos anos, pessoas com deficiência foram escondidas dentro de suas casas. Você sabia que até os anos 70 era mais que aceitável se livrar de uma criança com deficiência nos EUA? Em Bagdá isso ainda é verdade (existem orfanatos apenas para pessoas com deficiência).
Como Mittler diz, "No passado, indivíduos nascidos com qualquer tipo de deficiência eram segregados, isolados de qualquer interação social, pois sua diferença era vista como uma maldição, destino, uma marca do diabo, e todo tipo de superstição" (Mittler, 2000, citado em Santana, 2003)."
A citação acima, no Brasil, também incluiria as palavras castigo (por um erro em uma vida passada) ou provação (como aquele cara da bíblia).
As leis também impactam a forma como fazemos as coisas. Aqui está um pouco sobre as leis no Brasil em relação a pessoas com deficiência.
Final dos anos 90/início dos 00 - LIBRAS reconhecida e escolas bilíngues obrigatórias.
A Educação Formal e a Tecnologia mudaram as vidas daqueles que pertencem à comunidade surda. Primeiro porque aprenderam a mostrar suas vozes (Educação), depois puderam falar sobre isso e espalhar suas vozes para o mundo, para outras comunidades surdas usando vídeos (Tecnologia)
2005 e 2008 - Primeiros decretos em favor das pessoas com deficiência no Brasil (Faz menos de 20 anos que nossos direitos foram finalmente escritos)
2015 - Lei Brasileira de Inclusão das Pessoas com Deficiência nas escolas, local de trabalho, em todos os lugares. Agora você realmente precisa lidar conosco. (Faz menos de 10 anos - é muito novo!)
Dentro de seu texto você pode encontrar:
Artigo 4. Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com todas as outras pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.
As escolas enlouqueceram - como podemos fazer isso se ninguém nunca nos ensinou?
Esta lei ainda está em desenvolvimento, para usar palavras mais comuns, porque as pessoas ainda não estão preparadas para ela. As pessoas ainda veem pessoas com deficiência como um fardo.
Então, se toda vez que um aluno com qualquer tipo de deficiência é matriculado você revira os olhos, ou acredita que a escola é a única responsável por organizar o espaço para aquela criança, você não está sendo inclusivo.
Ser inclusivo não é o mesmo que entender que todos têm direito a estudar e ter um futuro promissor. Ser inclusivo é abraçar as diferenças, é tentar aprender as necessidades dos alunos conversando com os próprios alunos. Ser inclusivo é acreditar que todos podem prosperar se receberem as ferramentas e o espaço adequados. Acima de tudo, ser inclusivo é estar disposto a estudar, descobrir as ferramentas certas e fornecê-las aos seus alunos.
Ser inclusivo é ser reflexivo. É entender que as coisas mudam e que também precisamos mudar nossa perspectiva. É entender que você pode ter cometido um erro (seja com seu uso da linguagem, falta de acessibilidade ou qualquer coisa que você faça que deixe alguém desconfortável) e tudo bem, porque isso é muito novo e está em constante mudança, então cometer erros e aprender com eles faz parte do jogo.
Depois de tudo, mais uma pergunta: Você está preparado para ser verdadeiramente inclusivo?
*Tenho certeza que enquanto você estava lendo, ficou se perguntando: Por que Comic Sans?? Por que este texto está destacado? Por que há um espaço tão grande entre as linhas? Fiz essas escolhas de propósito para mostrar que podemos ser inclusivos seguindo diretrizes muito simples. Escolhi Comic Sans para impactar você e porque é uma das melhores fontes para ajudar alunos disléxicos e, às vezes, com TDAH. Usar um marcador me ajudou a criar um contraste de cores para ajudar qualquer pessoa com necessidades visuais (especialmente dislexia) a ler melhor. O espaço entre as linhas ajuda alunos com várias necessidades específicas, já que fica mais fácil perceber quando uma linha termina e a outra começa.
Veja, ser inclusivo não é tão difícil, você só precisa estar disposto a ser.
*no texto original, a fonte escolhida era Comic Sans, usei espaçamento entre linhas 2.0, e o texto completo estava destacado em amarelo claro pelos motivos descritos no último parágrafo.
_____________________________________________
Cintia Rodrigues (she/her, they/them) has been working with education for almost 20 years. She is a hard of hearing LGBTQIAP+ person who is passionate about themes related to diversity, inclusion, and inclusive educational practices. She holds an MA in Applied Linguistics (University of Bedfordshire), a BA in Linguistics (University of São Paulo)
and has worked as a teacher, teacher trainer and pedagogical coordinator for schools in São Paulo, Brazil. She’s currently a Pedagogical Coordinator for Lumiar School, and in the past 6 years, she has been dedicated to studying, designing and delivering courses, talks, and workshops on the topic of diversity and inclusion.
留言